Um blog sobre a vida

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Meo Urban Trail


posted by Angel on ,

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O ano passado participei na caminhada e do meu grupo apenas uma pessoa tinha ido fazer a corrida.
Fiquei maravilhada com as ruas do porto, com os locais por onde passámos e as fotos maravilhosas que captei nessa noite. Também nessa noite ficou a promessa de que um ano depois lá estariamos todos outra vez mas desta feita a correr.

Um ano depois assim foi, esse mesmo grupo e mais uns tantos amigos que no entretanto se juntaram tinha 12km pela frente de trail.

Passei o dia com a sensação de borboletas na barriga, estava ansiosa, não porque não fosse capaz de fazer a prova mas porque ela é diferente de tudo o que tenho feito até aqui, escadas, calçada, estrada... trail urbano.

Estava tão ansiosa durante a tarde que até me deu para andar a desfilar pela casa com a roupa mais adequada a levar. Levar manga comprida por baixo da t-shirt? Ir de calções e meias de compressão? Leggins? Corsários? Que sapatilhas de trail são melhores para trail urbano? 

Sai de casa já passava das 19h e chovia, pensei que o desafio acabava de se elevar a um patamar ainda maior. A chuva não me incomoda, já corri com essa condição por diversas vezes mas nas ruas do porto a calçada antiga, as intermináveis escadas molhadas torna-se uma versão urbana de slide & splash e isso é tudo o que não quero fazer num trail. As borboletas acabavam de se transformar em passáros.

Chegámos a Gaia 1h antes do inicio da prova, sem chuva, mas pelo céu ela estava prometida para breve. Últimos retoques no outfit antes de abandonarmos o carro e percorrermos mais de 1,5km até ao local da partida.

Reinava o caos, música muito alta que eletrizava ainda mais o meu corpo por si só já carregado de adrenalina, gente que se acotovelava para passar em direção às faixas destinadas à corrida/caminhada, turistas apanhados no meio das suas refeições pela avalanche de gente que ia fazer o trail, curiosos, habitantes a espreitar das suas janelas e portas todo o reboliço e animação.

Tentei encontrar-me com alguns amigos que iam fazer não só o trail mas também a caminhada mas isso revelou-se uma tarefa hercúlea e a dada altura já nem para a frente nem para trás conseguiamos ir, a faixa da corrida engrossou e compactou. 
Os passáros eram agora águias. Aquilo tinha de parar ou daqui a pouco tinha ali um dragão!
Mas porque raio estava eu naquele estado? 
Quem me visse as entranhas diria que era a minha primeira vez.
Bom, de certa forma era a primeira vez num trail urbano, será que isso pode ser tido em linha de conta?
A chuva começou a cair e eu andava às voltas com o meu chip, a senhora que controlava isso na entrada disse que tinha de estar na sapatilha, eu tinha-o colocado no dorsal. Bravo! Depois de eu ter dito ao meu grupo que aquilo se colocava no dorsal preso com os alfinetes. Buraco!
Não estava a ter sucesso a colocar o chip, ainda não tinhamos tirado a foto de grupo e eu não encontrava o resto dos amigos que iam fazer o trail.
Agora é que eu tinha ali um dragão! 
Valeu-me a chuva para aplacar o fogo que reinava nas minhas entranhas.
Um rapaz muito simpático que me viu ali às voltas com a minha empresa e que provavelmente percebeu o estado lastimável do meu dragão, explicou-me como tinha de fazer. Ah afinal o atilho que tinham dado tinha o seu propósito, só lamentei que eu não lhe vendo o objetivo o deixei no carro. Isto estava a correr bem. Porque raio não mandam uma folhinha a explicar como o colocar? É bem preciso para pessoas como eu.
Depois de tira e põe atacadores e com a ajuda precisosa desse rapaz, embora não da forma como deveria ser, mas lá consegui.
Não me interpretem mal, já usei chips várias vezes, uns de atacadores, outros colados no dorsal mas este de dar a volta nos atacadores com o atilho foi a primeira vez e tenho a certeza que as borboletas, os passáros, as águias e até o dragão me tiraram qualquer resquicio de lucidez.

Faltavam 10 minutos!
Faltavam as fotos!
Os restantes amigos teriam de ficar para depois da prova, já não dava tempo de procurar ninguém e eu já nem me conseguia mexer uns centímetros que fossem no meio da multidão.

As fotos.... bem, outra árdua tarefa.
A chuva molhava todo o telemóvel e não havia uma que ficasse bem.
Tremida, outra tremida, uma desfocada por causa da água, até que desisti e pedi ao rapaz à nossa frente para tentar a sua sorte após ter limpo o telemóvel pela miléssima vez.
Ficou bem à primeira, como é que eu não me lembrei disto antes? 
Posso culpar o dragão?

Ah faltam 2 minutos! 
Endomondo vamos lá! 
Endomondo não apanha GPS. Mas porque raio deixo sempre para o fim estes pormenores?
O dragão rugiu e expeliu fogo.
Faltava menos de um minuto e já estavam a anunciar a partida.
Foi dado o sinal da partida e o endomondo sem GPS. 
O dragão rugiu novamente e os da frente começaram a caminhar, depois passo de corrida lento e lá fui eu arrastada pela onda. Como um raio de sol a romper por entre as nuvens apanhei finalmente GPS e guardei o telemóvel, já tinha dado os primeiros passos de corrida ainda com ele na não.
Passei a linha de partida eu e o meu dragão. Vamos lá, agora é que vai ser. 
Nessa altura já me tinha esquecido da chuva, do meu dragão que deveria ter ficado para trás, era só eu, a minha respiração e a vontade inabalável de dar o meu melhor, de me divertir, de tornar a prova memorável.

O percurso foi mais uma vez lindo, na parte de Gaia, as caves, aquele cheiro tão intenso que me chegou a deixar tonta. A subida em direção à ponte do Infante que me envolveu com um relâmpago e ribombou no meu coração.
Passar a ponte e ver o rasto de luz do corredores do lado de Gaia e do lado do Porto e a luz dos caminhantes na ponte D.Luís foi a imagem que melhor respresenta a noite. Aquelas luzes faziam um círculo, como na vida com as suas voltas e reviravoltas.
No Porto fui recebida com chuva, senti o céu a abençoar-me, estava a ficar cansada e a perder as forças, a chuva revitalizou todos os meus músculos e deu-me o empurrão que faltava. 
Percorri ruas estreitas, as escadarias e calçadas molhadas que exigiam cuidados redobrados, a Sé, a Muralha Fernandina, os jardins do Palácio, o Porto é lindo!
Por fim a marginal, a alfândega e a meta cada vez mais perto.
Era o último fôlego. Ali estava a meta. Eu tinha conseguido.
O dragão rugiu algures no meio da multidão. 
Um sorriso quente rasgou-se na minha cara quando o meu olhar encontrou os dos meus amigos. Houve beijos e abraços. A sensação de missão cumprida e de que ali estavamos todos outra vez, tal como no início.

O endomondo! Tinha de o desligar. Segundo ele tinha falhado o meu objetivo por 3 minutos. Mas o meu sorriso continava lá, quente, naquela noite húmida e fria.
Um percurso lindo, mas muito duro. 
Os restantes amigos chegaram mais tarde, já a roupa e o corpo tinham gelado mas não podia ir embora sem um abraço, sem partilhar a alegria de tal como combinado ali estarmos todos novamente desta vez a correr.

Promessas para o ano? Ninguém as fez, mas sei que ainda não é aqui que o dragão irá parar.